terça-feira, 9 de setembro de 2008

Lhe vi Tomando Banho - parte II






Muito além do que se pode dizer abismado, limpou as mãos na primeira cortina que viu, a imagem da deusa grega, mortal e impossível sob a corrente d’água a poucos metros de si era fascinante, inesquecível... Como era linda. Trepidava-se entre a emoção do medo dela contar a todos e a alegria do privilégio. Oque ela faria? O que ele deveria fazer? Desceu normalmente para juntar-se aos outros como se o nada fosse semelhante á ocasião. Pouco mais tarde ela desceu também, e ambos encontraram-se no bar. Trajava um vestido longo lilás e uma tiara de brilhantes, encararam-se, ela num sorriso, ele quase morto. Estrelícia pediu uma bebida, mas tinha de ser servida por ele, assim o fez com a habilidade de quem tem mal de Parkinson devido ao nervosismo. “ela vai falar”, “ela vai falar”, “ela vai falar”! Esta frase reinava de subtexto nas suas poucas palavras trocadas com a dama. E de súbito ela levantou-se, não tocara no assunto, nunca, chamou a atenção para falar em público. O corpo de Prastes todo gelou, ele disse baixinho: - Não, por favor! Foi sem querer, mas ninguém, nem ela ouviu e discursou: - Eu apenas queria agradecer por todos estarem aqui presentes, e mais do que presentes, unidos, como uma grande vizinhança deve ser! Fiquem a vontade, façam uma noite inesquecível, divirtam-se e muito obrigado!
Péricles suspirou de alívio, temia sempre o pior, e não abandonava sua mente a rica imagem da dama nua. E por mais que parecesse ridículo, tinha de ficar a sós com ela e esclarecer os fatos... Era um homem, ou um rato? Não fizera de propósito, fora um acidente, e ela não deveria estar tomando banho com a porta aberta, por isso tocaria no assunto com raiva e falaria todas estas coisas: era um homem! Mas ela mesma não tomou nenhuma reação sobre o caso, a vítima estava em paz, e ele morto de medo que ela contasse a alguém, que fosse linchado pelo acaso: era um rato!
Imagine se ela contar! Seu novo posto seria o de maior tarado do país! Já via publicações e piadas na revista O Cruzeiro, logo O Cruzeiro, sua favorita! Também as mesmas repetiam-se multiplicadamente no Estadão, e conseguia ouvir inúmeras mulheres xingando-o na programação da Rádio Tupi... Sua imagem e reputação de bom homem, reservado e pai de família estava arruinada.
Bebendo, tentando resgatar a calma escondida em algum cômodo daquele cérebro ele novamente avistou Estrelícia em meio as outras damas, suas vizinhas, e de longe parecendo distraída, de súbito ela virou-se e fitou-o, olhos nos olhos e sorriso. Ele não era forte o bastante para aquilo... Quem era aquela mulher, de verdade? Reuniu sua simplória família, e interrompeu a roda de discussão:
- Olha, eu tenho um Falcon como vocês sabem, e ele é muito econômico.
- Mas e o que vocês preferem, economia, ou beleza? O Javelin é mais bonito.
- Até parece que já está embriagado. O Javelin parece uma barata gigante, o Falcon é um carro chique.
- A velocidade do Javelin é surpreendente!
- Mas o que adianta velocidade sem classe?
- O Falcon é muito veloz sim senhor, e indiscutivelmente mais belo!
Péricles corta o assunto automobilístico dos cavalheiros e se despede sem muita expressão, ninguém entende muito a atitude, nem esposa e filhos, mas vão embora arrastados pelo que mais parece uma máquina insensível.
Não há explicações, não há muitas perguntas, e nem sono, conseguiu dormir as 6h, acordou as 8h com alguém chamando na porta, sua esposa já acordada atendeu, e espiando pela fresta da porta do corredor, ele viu sua esposa entregar uma tupperware cheia de açúcar para nada menos que a Sra Novaes, de vestido curto cabelos ao vento e sorridente recebeu o recipiente agradecendo, e antes da porta se fechar, a dama esposa do médico fixou o olhar nos seus olhos escondidos atrás da porta. Ele num suspiro voltou ao quarto.
Não conseguiu trabalhar direito, discutiu com os colegas de trabalho, e a carga horária de um dia, pareceu ser a de uma semana. Aquela maldita não lhe saía da cabeça. O que ela estava querendo?

Chegou em casa no horário de costume, e não precisou destrancar a porta, já estava destrancada, algo estava diferente naquele fim de tarde. Abriu devagar, tinha medo de ladrões, mas o único ladrão que encontrou foi o da sua calma: sua esposa e Estrelícia conversavam, e tomavam chá com torradas como se fossem amigas íntimas. O que estava acontecendo com o mundo? O que havia com aquelas duas? Estes encontros de norte e sul, leste e oeste nunca haviam acontecido, eram mulheres tão diferentes, opostas e nada idênticas. O que Estrelícia queria? Só podia ser uma coisa, estaria contando o que acontecera, e seu casamento estaria acabado, seus filhos teriam pais separados e uma educação conturbada. Ah, a família nu distúrbio por conta de uma hora errada. Entrou e não olhou para nenhuma das duas, passou reto ao lado da mesa de centro, a mesinha que fora presente de casamento de uma prima distante com quem ele dera o primeiro beijo na boca, coitada da prima, cometeu suicídio uma semana depois daquele casamento... O primo era seu verdadeiro e eterno amor, então não aceitando a união, fez contra a própria existência.
A esposa lhe sussurrou: - Oi meu amor.
Em seguida a voz que lhe rasgou a alma – Olá Sr. Péricles.
Sua resposta foi um “oi” nervoso e cego. Tudo estava perdido. Ele ficou na cozinha apenas esperando o momento em que a cônjuge lhe entraria chorando, e pedindo o divórcio. Ouviu a despedida das senhoras, já era bem noite, mas logo a porta se fechou e a campainha tocou novamente. Ouviu a voz de um homem dando um recado.
A mulher foi a cozinha vê-lo: - O Tonho esteve aqui e pediu pra você passar lá no boteco. – Ela mudou o olhar e mudou de assunto: - A Dna Estrelícia estava me contando que...
Péricles respirou um oxigênio gelado e não deixou-a terminar as terríveis palavras: - Com licença, eu ou lá no boteco ver o que eles querem! – saiu a passos largos, surdo.
A música dos grilos saía de trás dos arbustos. Na frente do boteco apenas um de seus amigos escorado nas portas fechadas.
Um convite a entrar, uma comemoração privada... Ao primeiro passo de Péricles o holofote de olhares humanos o iluminou, uma salva de palmas, vivas, abraços, jogadas para todos os lados... E ele nada entendia. Não era seu aniversário, não se formara em nada, nem ganhara algum prêmio... Suas interrogações eram nulas ao chocar com os inúmeros sorrisos masculinos... Levado como um vencedor, foi deixado nos fundos do boteco, num quarto com a porta trancada. Ofegou-se no primeiro instante. Era seqüestro? Era terrorismo, guerra? Engano? Só se fosse do destino, porque um anjo nu, chamado Estrelícia Novaes saiu do guarda-roupa e foi em sua direção. Não podia correr, a porta estava trancada... Isto era um sonho, só os dois e mais nada... Inspirou a coragem do ambiente inóspito e numa face meia boca entregou-se a calada e distinta Deusa.
Adormeceu depois de muito ter aquele corpo.
Acordou e dormiu mais uma vez, queria aquele sonho pra sempre. Era sábado e trabalho não havia naquele dia. Só a lembrança da incessante e prazerosa traição... Aquela mulher era realmente como os demais falavam, desnorteado, ainda extasiado, mas bem vestido como quem viera de uma reunião colocou-se dali pra fora, no entanto o boteco estava aberto e na mesa de sinuca o abordaram, mais uma vez o holofote humano.
- E aí, como foi a noite?
- Òtima, mas...
- Amigo, nós não te falamos sempre que ela era assim. Nós falamos por experiência própria.
- Ela é incrível mesmo.
- Sim, magnífica.
- E vocês planejaram tudo?
- Sim, você era o único com quem ela ainda não tinha dormido, e ela já estava ficando louca.
- Mas antes disso, eu a vi tomando banho, no dia da festa na casa dela.
- Sim, foi tudo planejado, exatamente tudo. E já não era sem tempo.
- Por que?
- Porque ela foi embora. O médico e sua esposa se mudaram agora pouco. Você teve uma despedida de honra.
- Mas isso nunca deve sair daqui.
- Não se preocupe. Todos nós aqui escondemos isso das nossas famílias.
- Que pena ela ter ido embora.
- É, mas o médico já estava de saco cheio, e se você tivesse ficado até o final da festa aquele dia iria entender que a comemoração era uma despedida.
- Que pena, a noite foi tão boa...
Uma chuva de gargalhadas e um até logo leve, descompromissado e triste... “Ela foi embora”.
Passou em frente a residência, e já nenhum sinal de moradia estava ali. Em casa nenhuma palavra da esposa, mas agora o eterno sarro dos amigos... E em todo deitar na cama, a lembrança de Estrelícia, todo amor com a esposa, a lembrança da única e inesquecível noite com a dama, porque de tudo, fora o que acontecera de melhor em sua vida. Seria difícil repetir, muito mais difícil esquecer.


Douglas Tedesco – julho 2008

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